sábado, 2 de janeiro de 2016

Noel


Na Lua Cheia, Noel

 

 

 

            A penca de irmãozinhos sentados à beira do valão esperava que uma grande estrela despencasse do céu como flecha incandescente e pousasse logo ali, desfeita em fagulhas,  Pai Noel disfarçado cumprindo a fábula que eles teimavam em acreditar. Eram meninos pobres, tadinhos, sujinhos, maltrapilhos. Aos gritos da mãe na janela do barraco, fingiam que não era com eles:

            - Pai Noel não existe, filhos, é pura invenção dos ricos pra suas crianças mimadas. Ficam fantasiados nos shópins, adonde se compram os presentes (a mãe no seu linguajar de analfabeta, catadora de lixo com todo o respeito), ao que os guris se faziam de surdos, trocavam”uma idéia” entre si, como hoje é costume dizer, no singular, sinal dos tempos:

            - Diz qui tem qui deixá o sapato na janela do quintau, (o menorzinho).

            - Qui sapato? Chinela di dedo se tivé, (outro menino).

            - Qui quintau? Lá no fundo tem só montis di lixo (um terceiro).

           

            Uma menina levantou, incomodada, entrou em casa. Não gostava daquela conversa. Por isso mesmo foi acabar de enfeitar o pinheirino: um galho de cedro que cortara, às escondidas, na boca do cemitério pobre. Era jeitosa e lindinha por baixo dos andrajos que a cobriam. Porém, tísica como estava, não iria longe. No pinheiro improvisado enfiado numa lata, colava recortes de estrelas, flores, passarinhos... E, aos pés, um presepinho com bonecos de barro que, amanhã ou depois, se desfariam em pó. Como os sonhos dos irmãos.

 

            A mãe olhava - entre orgulhosa e amarga - aquela única filha mulher que não lhe faria companhia na velhice. Isso pensava, mas o que falava era duro, (pra disfarçar a melancolia):

            - Guria besta, distrambelhada, mermando com trecos di mentira, (resmungava), enquanto ia e vinha preparando a Ceia de Natal, pobre ceia, nada além de uma sopa rala engrossada com farinha, onde flutuavam alguns bocados de carne de sol, (charque duro de roer, como a vida). Na mesa capenga, além da louça ordinária uma jarra de plástico com limonada e um copo com uma flor nascida no valão.

           

            Pela janelinha de vidro partido a mulher cuidava os meninos, já estavam crescidos eles, nascidos ano após ano, o pai carpinteiro a embebedar-se nos botecos, trabalho nenhum, até desaparecer para sempre. Ela aguentou no osso, faxinhando em casas de estranhos, catando papelão, encaminhando os filhos para a escola. Quem diria! Fora até bonita quando  jovem, hoje não mais, para dizer pouco. E gritou, novamente:

            - Crianças, já pra casa, óia a garoa caindo, vão se gripá! (ao que os meninos, cinco ao todo, resmungaram, em coro desarticulado):

            - Já tamo indo mãe, mais pouquinho só.

 

            Os garotos - cinco ao todo – aguardavam Pai Noel na beira do valão, enquanto a lua aparecia entre as nuvens devagar, se fazendo de difícil, diziam que há dezessete anos não havia lua cheia na Noite de Natal. E, sim, finalmente ela se mostrou inteira (toda cheia de rugas na cara, esquisita), disse um. A outro, (parecia um pires cheio de leite), suspirou. Suspiraram todos. Leite! Há que tempos não lhe sentiam o gosto. Quiçá, só o materno,‘inda assim esperavam, ao clarão da lua.

 

            Foi quando viram atravessar a pinguela sobre o valão, um homem com saco às costas, roupas rotas, camiseta vermelha, boné virado pra trás. Atitudes.

            - Mãnhê! Pai Noel vem vindo (gritaram, indo ao encontro). Cercaram-no e grudaram-se a suas pernas enquanto ele abria um saco plástico de onde tirava pacotes, embalados mal e mal. Os guris, olhos brilhantes, recebiam os presentes, desamarravam cordões e abriam caixinhas, cada uma com um nome. Surpresa: dentro  havia um papeizinhos com mensagens que iam soletrando, alguns ainda com dificuldade. Junto a cada bilhete um caramelo, daqueles que parecem durar a vida toda, para lá e para cá, assando a língua da gente. E os dizeres, quais eram? Diferentes para cada um:

           

            - Trabalhe bastante que vai vencer na vida, (a João, o  primogênito).

            - Seja sempre bonzinho e vai ter muitos amigos, (ao segundinho, Alexsandro).

            - Obedeça a mãe e termine de estudar, (recado a Wagner, o malandrinho).

            - Não bata na irmãzinha que ela é doentinha, (ao enfezado, Ântoni).

            - Olhe a lua no céu que ela ilumina a noite escura,
 
(à Zeca, o caçulinha).

 

            Era curioso. Parecia que o Noel conhecia cada um, tal como os dedos das mãos. Dentro do saco restaram dois pacotinhos, a serem entregues à mãe e à filhinha. Que diriam eles? Sabe-se lá! Enquanto liam as mensagens uns dos outros, crianças curiosas que eram, Noel deu-lhes as costas e se foi, de mansinho. Ao perceberem, os garotos correram atrás. Foi então que o João, olhando atentamente o homem a se afastar e tomado de uma maturidade prematura, segurou o Zequinha pelo braço e murmurou aos outros:

            - Deixem que vá.Vejam a mão esquerda sem o dedo mindinho. Não é o Pai Noel, é o nosso pai. Deixem que vá se é isso que quer.

             

 

 

            taniabarreiro.com

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