quarta-feira, 16 de março de 2016

Xilogravura

Os Anos de Brasil de Axl Leskoschek: 1940-1948 traz a São Paulo mostra de um dos maiores nomes da xilogravura

Austríaco que exilou-se no Brasil fugindo do Nazismo revolucionou mercado editorial do país com ilustrações das obras de Dostoiévski

Para muitos artistas e intelectuais, o período de 1914 a 1945 marcou o fim da Modernidade iluminista na Europa. O fim de uma era na qual os valores da razão, da alta cultura e do conhecimento foram solapados pela barbárie, após quatro séculos de profundo avanço humanístico. Para muitos, porém, a dolorosa experiência das guerras e do exílio representou um novo começo, uma nova descoberta, um novo mundo. Assim foi para o pintor, gravador e professor austríaco Axl von Leskoschek (1889-1976), um dos maiores nomes da xilogravura austríaca e europeia que, diante da ameaça do nazismo, teve que se exilar de seu país. Após um período na Suíça, muda-se para o Brasil em 1940, país onde permanecerá por oito anos e viverá duas revoluções: uma pessoal, em sua arte, e outra no estabelecimento da linguagem da gravura no mercado editorial brasileiro, onde executou ilustrações para clássicos e modernos da literatura brasileira e portuguesa, com para as edições brasileiras de romances de Dostoiévski, num total de mais de duzentas xilogravuras. Cerca de 160 dessas obras estarão na exposição Os Anos de Brasil de Axl Leskoschek: 1940-1948, que a Dan Galeria apresenta de 19 de março a 9 de abril, com curadoria de Peter Cohn e José Neistein.

A exposição
Os Anos de Brasil de Axl Leskoschek percorre o mundo há mais de quatro décadas. Apresentada originalmente em outubro de 1973 no Instituto Cultural Brasileiro-Americano, em Washington (EUA), a exposição foi apresentada na Galeria Grupo B, no Rio de Janeiro, em março de 1974, e na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo. Em Viena (Áustria), uma exposição com caráter retrospectivo reuniu pinturas, aquarelas e xilogravuras de diferentes momentos de sua carreira, incluindo o período no Brasil.

Na exposição na Dan Galeria, as 160 obras de Leskoschek abarcarão as 35 xilogravuras que o artista criou para as edições brasileiras das obras de Dostoiéveski, publicadas originalmente pela editora José Olympio, e 130 xilogravuras que narram desde suas primeiras criações no Brasil até as obras criadas após o seu regresso à Europa, de 1948 até meados da década de 1970. De diferentes formatos, as 130 obras estarão dispostas em múltiplos que dão o caráter museológico da exposição.

“A exposição marca um resgate necessário da obra do artista no Brasil”, afirma Peter Cohn, da Dan Galeria. “O Leskoschek é o pai da moderna gravura brasileira, tendo influenciado uma série de artistas e transformado o mercado editorial brasileiro nesse aspecto, com suas ilustrações para os clássicos da literatura em língua portuguesa e universal.”

O artista
Nascido em Graz (Áustria), em 1889, Leskoschek realiza sua formação artística na Escola de Belas Artes de Graz e na Escola de Artes Gráficas de Viena, num dos períodos mais efervescentes da história do país (então Império Austro-Húngaro), momento de figuras como Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise, e do escritor Stefan Zweig (1881-1942), que, como ele, também se exilaria no Brasil fugindo do nazismo.

Na condição de exilado (não imigrante), com sua mulher, Marusja, o artista fixa-se no Rio de Janeiro, então capital da República e capital cultural do Brasil.

Exilado, prossegue em suas atividades como ilustrador, realizando, entre 1941 e 1942, uma série de 60 minúsculas xilogravuras para Romanceiro Brasileiro, de Ulrich Becher (1910-1990), escritor e dramaturgo alemão que retratou o país no romance ilustrado por Leskoschek.

Em 1942, ano que marca a entrada do Brasil na Segunda Guerra, ao lado dos Aliados, o artista inicia as ilustrações para Os Lusíadas, de Luis Vaz de Camões, projeto inacabado.

No Rio, o artista passa a conviver com as principais figuras das artes e da intelectualidade de então e a abrir seu ateliê para os jovens artistas da época, influenciando pintores e escultores nos gêneros de gravura gráfica. “Sua formação cultural, aliada a qualidades humanas excepcionais, causaram impacto considerável no ambiente ainda um tanto provinciano do Rio de há quase trinta anos”, afirma a gravadora Edith Behring, em depoimento para a primeira exposição sobre o artista feita pó José Neistein, em Washington. “Seu exemplo como profissional e o apuro de sua experiência didática, influenciaram de forma evidente a iniciação e formação básica de inúmeros de nossos artistas, ora na Fundação Getúlio Vargas, ora no Atelier do Russell. Sugeriu e sistematizou o hábito dos debates e crítica analítica entre alunos e professores ao final dos trabalhos práticos, procedimento combativo das inibições de alguns, freio bem humorado do vedetismo de outros artistas.”

Entre as figuras com quem mais se relaciona está o pintor Cândido Portinari (1903-1962), de quem se torna grande amigo por toda a vida. Portinari o apresenta ao editor José Olympio. O encontro marca o início de uma transformação no mercado editorial brasileiro.

Convidado pelo prestigiado editor a ilustrar a edição brasileira das obras completas de Dostoiévski, Leskoschek dá um novo conceito, no Brasil, para esta arte tão específica, estabelecendo uma espécie de coautoria na obra, por meio da ilustração. “Todo ilustrador verdadeiro tem qualquer coisa de prostituta; do contrário, ele não poderia se adaptar completamente a cada um dos autores, para os quais o editor o ‘comprou’”, afirmava o artista sobe seu ofício.

As xilogravuras para as obras de Dostoiévski no Brasil constituem em um dos pontos mais da carreira do artista, pela adequação formal, psicológica, sociocultural e emocional à verdade humana e literária dos personagens do novelista russo. “O novelista russo encontrou em Leskoschek não apenas um ilustrador, mas um de seus pares”, afirma o curador José Neistein, que dá especial destaque para as ilustrações de Os Irmãos Karamázov, uma das principais obras do autor russo. “Neste livro, Leskoscheck concentra e dá vazão a todas as suas qualidades, como artesão e como artista, como psicólogo e como humanista.”

Durante quase quatro anos, “Lesko-Lesko”, como era chamado na editora, devido à dificuldade na pronúncia de seu nome, realizou mais de 200 ilustrações, para a obra do autor de Os Irmãos Karamázov (1944) – de quem ilustrou também O Adolescente (1943), O Eterno Marido (1943), O Jogador (1945) e Os Demônios (1946) – e de autores brasileiros, como Graciliano Ramos (Dois Dedos, 1945) e Uma Luz Pequenina (1948), de Carlos Lacerda.

Obra e influências
Artista de cunho realista, em sua obra esta vertente coexiste com elementos expressionistas, abstratos e surrealistas, que revelam preocupações de ordem social e política, para além do humanismo, da psicologia e da dramaturgia.

O período de exílio no Brasil, que se estendeu até 1948, trouxe para a obra do artista o modo de ser brasileiro e a influência da fauna, flora, luminosidade e ritmo do país, que o marcaria para sempre. “Quando eu o conheci em 1973, ano em que, com sua ajuda e a ajuda de Marusja, preparei sua exposição relativa aos seus anos de Brasil, Axl, embora já enfermo e acamado, me disse, com um misto de nostalgia e tristeza, que ele considerava um erro cometido em sua vida ter saído do Brasil, onde tinha deixado tantos amigos e discípulos”, conta Neistein.

O artista, afirma o curador, deixou ao Brasil um legado artístico que equivale a uma declaração de amor. “Como toda declaração de amor, tem momentos de lirismo e de sensualidade, mas também outros, de lamento e compaixão, de fúria e exaltação, de ruído e de quietude, de assombro e contenção, de serenidade e de humor”, afirma.

O principal da bibliografia sobre sua obra foi publicado, até o presente, em Viena, Dresden, Graz, São Paulo, Hamburgo, Londres e no Rio de Janeiro.

Os Anos de Brasil de Axl Leskoschek: 1940-1948
Vernissage: 19 de março (sábado), das 10h às 14h
11h30: mesa-redonda com o curador José Neistein e o artista plástico Sérgio Fingermann sobre Axl Leskoschek e a universalidade e atemporalidade da gravura.
Período de exposição: de 21 de março a 9 de abril de 2016
De segunda a sexta das 10h às 18h, sábado das 10h às 13h
Dan Galeria:
Rua Estados Unidos, 1638
Jardim Paulista
Telefone: (11) 3083- 4600
Informações para a imprensa:
A4 e Holofote –
+55 (11) 3897-4122
Danilo Thomaz – danilothomaz@a4eholofote.com.br
Neila Carvalho – neilacarvalho@a4eholofote.com.br

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