terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Crônicas da Paisagem



CRÔNICAS DA PAISAGEM
 
As "Crônicas da Paisagem" representam um esforço pela valorização das paisagens naturais, 
como forma de garantir um futuro verdadeiramente sustentável para todos.
 
Para saber mais, acesse www.jorgeherrmann.com


Atenciosamente, 


Jorge Herrmann



CRÔNICAS DA PAISAGEM (8)


Planície e Abismo
agosto de 2014
Numa cálida tarde de agosto, aproveito um cochilo do inverno para tomar o rumo do Vale do Paraíso, município de Três Cachoeiras, na Planície Costeira do RS, onde existe uma pequena comunidade agrícola chamada Morro Azul. Meu objetivo é subir a encosta dos Aparados da Serra, que se erguem bem pertinho de Morro Azul. Eles são uma imponente silhueta que exerce um efeito impressionante sobre toda paisagem.

Seguindo pela estradinha serra acima, a meio caminho do topo alcanço uma área plana onde se acomoda um vilarejo composto por algumas casas dispersas, uma pracinha, um cemitério e uma igrejinha. Deste lugar é possível vislumbrar a planície se desdobrando uns 500

metros abaixo. O cemitério é esquisito: tem um muro antigo, mas só alguns poucos túmulos, o que cria um descompasso intrigante.

Sentado ao pé da figueira que emoldura o pequeno cemitério, desenho a igreja. Arquitetonicamente, ela não tem nada de interessante. Se vê que foi reformada recentemente, mas seu aspecto novo frustra minha expectativa. Sabia que esta era uma paróquia muito antiga e imaginava encontrar um lugar onde as marcas do tempo não estivessem tão ocultas. Uma pena.

Daí em diante, a estradinha segue tortuosamente mais uns dois quilômetros serra acima. O carrinho enfrenta a estrada com dificuldade, mas vale a pena. A visão é de tirar o fôlego: uma imensa planície se esparrama diante de meus olhos incrédulos. É nossa preciosa Planície Costeira. Que região! Precisávamos olhar mais para esta paisagem. Já ouvi alguém dizer que não há nada parecido em todo litoral brasileiro, com um repertório tão grande de contrastes, formado por dunas, lagoas, rios, várzeas e montanhas.

Ao longe diviso Torres. Que ritmos tão distantes separam esta cidade de todo o resto... No horizonte, ela acaba de despontar, iluminada pela insistência do sol que vasa pelo rendilhado das nuvens. Mas em seguida, tudo está escuro novamente: Torres agora é uma sombra recortada sobre a linha do horizonte. Tudo neste mundo pode ser metáfora... Sinto então um reiterado espanto. Ele emerge a cada novo contato com o mundo que independe das máquinas e das ações humanas. Destas impressionantes pirambeiras cobertas de mato, emanam silêncios que vem da origem dos tempos. E nossas cidades, sem darem-se conta, estão mergulhadas neste mesmo mundo cheio de silêncios. Mas como é possível que estejam tão alheias a tudo isso?

Antes de descer, lanço um último olhar para a planura que flui para o norte, manchada por descontinuidades. Não costumamos prestar muita atenção nas marcas que nossas cidades vão provocando sobre as paisagens. Mas elas estão lá, nas quebras de ritmos e nas cicatrizes da terra. Seguimos insistindo na crença de que estamos cada vez maiores, mais velozes e mais capazes. Ilusão. O prazo de validade para esse tipo de certeza está se esgotando.
Jorge Herrmann
As "Crônicas da Paisagem" são um esforço pela valorização das paisagens naturais, como forma de conquistar um futuro verdadeiramente sustentável para todos. Imagens postadas: Jorge Herrmann (agosto de 2014), disponíveis para aquisição pelo site WWW.jorgeherrmann.com

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