Zé Augusto,
Tanto tempo sem eu te dar notícias. Desculpa o silêncio. Mas, a comunicação também se faz através da distância e do tempo. Como está a revista Fala Brasil, ainda está sendo publicada? Como estás? E teus projetos?
Fazia muito tempo que eu andava totalmente bloqueada, por ocupação excessiva e falta de tempo de oxigenar a alma, e nada escrevia, mas nesta madrugada consegui escrever uma pequena crônica que te envio.
Um abraço,
Mônica
ONTEM
Mônica Campos Hanson ( 29/4/13)
Ontem, o sol brilhou todo o dia acendendo como faíscas nossas esperanças, e mais uma vez recomeçando em nós um novo ciclo de primavera. Caminhei num parque, ao redor de um grande lago e ao lado de um rio de águas turvas. Pendurados nas grandes árvores, sustentados por fios, cartazes azuis com poemas em três linhas tremulavam sob leve brisa, convidando-nos a lê-los e a refletirmos sobre o que seus autores viram e sentiram ao caminharem por este lugar. Vi uma águia num vôo rasteiro e predador abocanhar um peixe e voar muito alto com ele no bico até o ninho de seu filhote. Sentado no chão, um fotógrafo com uma câmera com uma lente de longo alcance documentava tal espetáculo. Parei e conversei com ele sobre o que víamos e ele me mostrou algumas das fotos. Extasiante manhã.
Ontem, plantei os primeiros jarros de flores para o meu deck, meu santuário a céu aberto, onde comungo a natureza e pondero a sutileza de seus mistérios. É lá que escuto a tagarelice dos pássaros récem-chegados de seus longínquos exílios de inverno e testemunho o surgir dos primeiros brotos das árvores, o despertar dos tênues fios verdes da grama marrom-adormecida, o desabrochar do sorriso azul-roxo das íris e das tulipas.
Ontem, enfiei as mãos na terra preta e encontrei pequeninos bulbos dos lírios amarelos que plantei na primavera passada. Emocionaram-me por sua paciente perfeição, e por conterem todo o potencial da beleza que daqui a umas semanas deles novamente florescerá.
Ontem, ao olhar e sentir minhas mãos cultivando a terra, lembrei-me das mãos ásperas e feridas de um pescador na praia de Mundaú (Ceará), onde minha mãe tem uma casa. Foi há muitos anos. Meu saudoso irmão Alexandre, sensível e humano, trouxe-o até a casa para que eu, como médica, cuidasse de suas feridas. Limpei suas mãos, fiz um curativo com antibiótico e lhe dei instruções de como continuar cuidando dos ferimentos. Um ano depois, ao me ver outra vez na casa de minha mãe, o pescador saiu de sua casa humilde, caminhou pela areia da praia e veio me mostrar suas mãos calejadas, mas saradas. Com um singelo gesto de gratidão, sem falar, presenteou-me com uma concha róseo do mar. Ainda guardo-a.
Ontem, plantando minhas flores, amarelas e lilases, colhi saudades.
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