Adroaldo Bauer (jornalista), entrevista a Poeta Neli Germano
No livro Casa de Infância, publicado impresso pela Microeditora Gente de Palavra, Neli Germano convoca as lembranças primeiras que nos acompanham pela existência. Mais: refaz o mundo que viveu, traz ao presente o que nunca nos deixa: o que vamos sendo.
Gaúcha de Torres, 60 anos em 10 de abril de 2016, Neli Germano mora em Porto Alegre, trabalha na gestão do Arquivo Geral da federação das Indústrias do estado há mais de 20 anos.
E é poeta.
Concilia o universo do trabalho assalariado e doméstico, os cuidados da casa, a rotina pesada requerida de mãe de três filhos já criados, de provedora da subsistência com a arte da poesia.
E que poesia, pessoas!
Um trabalho derivado do espontâneo e da palavra pesquisada, garimpada, pra que melhor expresse o adivinhado nos sentidos, o pressuposto no ainda inexistente. O momento próximo dos sentidos de mulher.
Assim, com Neli Germano, nascem prontos muitos poemas.
Adroaldo Bauer - A leitura de teu livro Casa de Infância te revela poeta a quem ainda não te conhecesse em versos outros. Esse livro aparece como pra ti?
Neli Germano - Casa de Infância aparece como resultado de um caminho poético percorrido, desde 1996, quando comecei a ensaiar meus primeiros versos. Foi a partir desse livro que me surpreendi poeta.
Adroaldo Bauer - Quando teu sentir e olhar o mundo à volta passou a te cobrar expressar tuas impressões por escrito?
Neli Germano - Em dois momentos distintos: meu sentir primeiro cruzou meu eu. Uma espécie de terapia através da escrita. Considero salvação. O mundo me cobrava algo desconhecido até então, minha autonomia. Minha liberdade. Meu jeito fêmea de enfrentamento e de “empoderamento”. O segundo momento foi a partir do outro, provocada a escrever poemas sociais. O que muitos interpretam como poesia panfletária.
Adroaldo Bauer - Avalias que a maternidade, teu trabalho para a subsistência e criação da prole estão em tua poesia como?
Neli Germano - Como alento e encantamento. Também, como inquietação constante em busca de transformação. Preciso da tempestade, que revira a terra, tanto quanto da aurora, que a alimenta e ilumina.
Adroaldo Bauer - A tua circunstância no mundo e tua visão consciente desde o universo do trabalho se articulam como com a tua poesia?
Neli Germano - Minha fala poética interage com esse universo em busca de conexão entre o que é visto como a realidade e a transformação desta mesma realidade.
Adroaldo Bauer - Como resolves teus momentos de inspiração pra chegar ao poema. É um trabalho com método, é mais espontâneo que pesquisado, escreves e reescreves uma mesma ideia?
Neli Germano - Meu trabalho é mais espontâneo. Obviamente, pesquiso palavras que melhor expressem o que quero dizer. Alguns poemas nascem prontos, outros carecem de desbaste. Aprecio o poema síntese. Quando componho, fico atenta a qualquer palavra ouvida ou lida. A qualquer imagem. A palavra que caberá no poema pode surgir de uma observação captada em uma caminhada.
Adroaldo Bauer - Participas de saraus poéticos – a tua poesia falada, dita a outro te toca de que modo? E ao dizer ali a poesia de pessoas outras, como te sentes?
Neli Germano - De um modo perturbador. Talvez a palavra correta seja nua. De repente o outro observe uma “pinta” ainda não descoberta por mim... O ato de expor o que se escreve, ao meu olhar, é instigante. Gosto desse strip-tease. Porque também tem o lado do prazer. O prazer de emocionar alguém. Do aplauso. Ler outro poeta é ter a oportunidade de conhecê-lo um pouco mais, e sentir-se em sua companhia. Sinto-me bem lendo outras pessoas, elas gostam quando leio seus poemas (até onde sei).
Adroaldo Bauer - Fazes poemas em versos livres. Te sentes pertencendo a alguma escola da poesia, influenciada pelo estudo e leitura de alguma poesia em particular?
Neli Germano - Não me sinto pertencida a qualquer escola de poesia. Leio poesia de muitos autores, mas não me sinto influenciada por algum poeta em particular. No entanto, ao concluir Casa de Infância, senti que havia qualquer coisa ali da poeta mineira Adélia Prado. Não estou imune à influência. Somos um pouco do que lemos.
Adroaldo Bauer - Tua vida familiar e profissional ajudou e ajuda tua expressão poética? Compreendem, te apoiam, estranham o que fazes de arte?
Neli Germano - Trouxe a poesia da infância, primeiro a ouvir o canto do bem-te-vi, de olhos fechados. Depois com Navio Negreiro de Castro Alves e os poetas Manoel Bandeira e Cecília Meireles. Meu pai (87) tinha muitos livros de poesia. Ele também é poeta, apesar de não ter publicado. Muitas vezes o surpreendi a escrever versos. Meu fazer poético teve início em meados dos anos 90, apoiada e compreendida não só pelos familiares e colegas de trabalho, como também pela comunidade em que atuo. Quanto ao estranhamento, penso que tenha sido eu a mais surpreendida em se ver fazendo arte.
Adroaldo Bauer - Quando dás por acabado um poema, o queres dar a conhecer, entregá-lo ao olhar de pessoas que leem por qual principal razão?
Neli Germano - Tenho a pretensão que meu leitor se encante (ou se surpreenda) tanto quanto eu com o poema. Que me diga suas impressões de acordo com sua subjetividade. Busco crítica.
Adroaldo Bauer - Tens projetos para publicação de mais poemas teus também impressos?
Neli Germano - Sim. Pretendo lançar meu segundo livro ainda em 2016, uma coletânea dos poemas que compus desde 1996.
Adroaldo Bauer – Como foi conciliar o universo do trabalho assalariado e doméstico, os cuidados da casa, a rotina pesada requerida de mãe, de provedora da subsistência com a tua arte?
Neli Germano - Sim, Adroaldo! Essa trajetória foi desafiadora e prazerosa. Ouso dizer, sem nenhum escrúpulo, que foi audaciosa. Assim tem sido. Agradeço aos meus familiares, colegas, amigos de diversas tribos, entre estes os poetas, o apoio que tenho recebido nesta minha singela vida literária.
Adroaldo Bauer - Agradecemos tua contribuição. Tens mais algo que gostaria de dizer ao leitor do Jornal Fala Brasil nesta entrevista?
Neli Germano - Agradeço pela oportunidade de ser entrevistada pelo Jornal Fala Brasil, uma referência de mídia cultural em Porto Alegre. Sinto-me honrada. Agradeço, também, aos que chegaram comigo ao final desta entrevista.
Texto: Adroaldo Bauer (FB) Fotos: Arquivo pessoal da poeta
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