Recebi do professor Círio Simon esta maravilha de apreciação crítica,
sobre meu texto " O Fim da Arte e a Arte do Fim" com ilustração de
Fernando Baril, publicado nas Revistas Caosótica e Dartis,
e no Jornal Fala Brasil, que segue abaixo.
art'mail Zé Augustho
obra de Jules Santin
Porto
Alegre, 03 de agosto de 2013
Caro Poeta Zé Augusto
Recebi a revista FALA
BRASIL, li o seu texto e você me pede uma opinião.
Creio que no centro da
preocupação do seu texto está o exercício do papel do mediador entre o artista
e o seu público.
Evidente que a obra do
artista é primordial. No entanto parece que temos mais mediadores,
atravessadores e tuteladores de artistas do que obras de arte.
Daqueles que cumpriram
brilhantemente a função de mediadores em
Porto Alegre, que já se foram, podemos
destacar os nomes dos três nomes de Olintho de Oliveira (1865-1956), Mario
Totta (1874-1947) e Érico Veríssimo (1805-1975). Olintho foi o primeiro crítico
de arte do Correio do Povo e realizou um movimento que redundou na constituição
do Conservatório e da Escola de Arte que continuam a visão deste pediatra.
Totta criou e manteve a Revista Máscara, enquanto pode, e que foi, junto com a Madrugada, escola para
a Revista do Globo onde Érico é a figura
incontestável. O trabalho destes três mediadores ainda jaz sem grande estudo
sob esta ótica.
Como se percebe no seu
texto não há o menor resultado para o artista jogar ou expor o seu coração
partido, dilacerado e sangrando no balcão do armazém ou na gôndola do supermercado.
Este apenas está preocupado com o resultado do tilintar das moedas ou dos
cartões de crédito que caem ou passam na caixa registradora. Este artista, se
resolver fazer parte deste jogo ou sistema de arte, necessita aprender algo de
Marcel Duchamp. Ele sabia o que estava fazendo com os mediadores,
atravessadores e tuteladores mal intencionados. Ele os fazia correr como ratinho
num laboratório, os embrulhava e os colocava diante de um mictório que até hoje
não sabem explicar como “obra” sem dar razão e a última palavra o artista. Este
se divertia e se ria com este sistema no qual estes mediadores, atravessadores
e tuteladores mal intencionados eram os “bonecos” dos pretendentes da noiva do
seu “Grande Vidro”.
A crise inicia no
momento em que se inverte esta relação e os mediadores, atravessadores e tuteladores
tomam conta do artista. Este é encaixotado, treinado como ratinho num
laboratório e transformado em espetáculo
e em produto dos seus eventos que engordam as contas e forram os currículos
destes mal intencionados. Não faltam nomes para estes marqueteiros que se
oferecem, e até pagam, para serem “produtos” de propaganda dos seus eventos. Se
não derem certo, neste sistema perverso, existe um cortejo de candidatos
sorridentes dispostos a ocuparem o lugar do malogrado nestes eventos.
No seu texto ressoa
ainda o praguejar de um Miguel Ângelo contra estes mediadores, atravessadores e
tuteladores mal intencionados. No seu texto não cessam, através dos tempos, os argumentos de um Diderot mandando o público
olhar as obras, antes de qualquer juízo. No seu texto faz sentido ainda a
paranoia de um Nietzsche diante dos inchados egos dos oniscientes, onipotentes,
onipresentes e eternos surdos, mudos e cegos para a natureza da obra de arte.
A passagem por um
mestre, por um grupo ou numa universidade só pode ensinar ao candidato ao
artista o cultivo continuado do hábito da integridade intelectual. Este
exercício não é posterior ao momento da criação da autêntica obra de arte. O
artista faz o seu tempo, está atento ao momento oportuno e único da obra de
arte. Esta obra é competente para carregar consigo este momento. Ela constitui
o testemunho eterno e universal daquilo que foi o ENTE do artista naquele
instante da criação. Evidente não se
trata da obra de arte proveniente do solipsismo, 100% original e fruto de um
ego inchado pelo onisciente, onipotente, onipresente e eterno que se finge de
surdo, de mudo e de cego ao seu tempo e lugar. Tal obra estaria no caminho
direto da Natureza, da obsolescência imediata e da paranoia.
Na leitura do seu texto se
evidencia que a atmosfera cultural brasileira ainda está carregada com enxofre
tóxico do colonialismo e da eternamente renovada da escravidão e das suas correntes,
mesmo que sejam de ouro, matam o artista. Evidente que temos todas as razões para nos desculpar desta situação.
-
Mas por que não mudar?
No entanto o fato
concreto de aceitar a ideia da mudança exige a ruptura epistêmica com a
escravidão e o colonialismo e a colocação de um projeto na linha que no passado
seguiram um Olintho, um Totta ou um Érico- enquanto puderam -. Não dispunham do sistema LIC e não aceitaram
nenhuma mediação, atravessador ou tituladores que jogasse a sua vontade
criadora na situação da heteronomia colonial e escrava. Sabiam, como Kant, que “a sanção moral dos seus atos estava na proporção da autonomia de suas
vontades”.
Assim cabe ao artista
a escolha ou do caminho cômodo da
heteronomia de sua vontade ou, no contrário, seguir pela senda estreita e
arriscada da autonomia de sua vontade. Depois da escolha resta administrar as
perdas decorrentes desta escolha única. Nesta escolha o “ecletismo
é o refúgio das maiores covardias” como já ensinava Mário de Andrade.
Espero não ter feito o
papel de um mediador, de um atravessador ou de um tutelador mal intencionado.
Cabe-me o papel, apontado por Nietzsche, de agir como o temerário mais inútil e
cujo objetivo é mostrar o caminho para o sobre-humano que mora em cada
civilização ou em cada obra de arte e que sempre incomoda, contraria e
desestabiliza as motivações do ser natural.
Outras ideias complementares
estão no texto “Um OBSERVADOR ATENTO, INTERATIVO e CONSEQUENTE”, na postagem:
Círio SIMON
Nenhum comentário:
Postar um comentário