segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

LANZAROTE


Lanzarote. O refúgio de José Saramago nas Ilhas Canárias
A paisagem vulcânica, cores escuras, relevo enrugado, resultado de erupções frequentes e com duração de anos, torna a lunar o aspecto dessa ilhas canárias.
Cortadas por ventos, açoitada pelas ondas nem sempre mansas do Oceano Atlântico. Lanzarote uma das sete ilhas do arquipélago está à vista no horizonte.
Nesse local tão inamistoso, como em exílio, o escritor português José Saramago estabelece novas raízes; aqui no pequeno povoado de Tias, casas nas cores brancas em contraste com o escuro das lavas expelidas pelos vulcões, o prêmio Nobel terá o seu último refúgio.
Pela autoestrada, partindo de Arrecife — porto livre onde podemos comprar com descontos — em direção ao Parque Nacional Timanfaya, não há como errar o caminho. Com a boa vontade local encontramos o destino, a vista da colina para a Praia del Carmem é interessante.
Timanfaya, região inóspita, sem fonte de água potável, vegetação escassa, alguns cardos são o único verde disponível, apresenta crateras de antigos vulcões, fumarolas de enxofre e águas ferventes onde os turistas cozinham os ovos levados para as refeições e piqueniques.
Em lutas constantes contra as autoridades de Portugal, incluindo a Igreja Católica, não esquece que foi rejeitado, mesmo expulso, devido aos seus pensamentos, suas palavras, seus livros e pela posição política de contestação à antigos valores.
Apesar de tudo, não estará tão longe das praias lusitanas. Lanzarote é a Ilha das Canárias mais próxima das suas origens, pode sentir e reconhecer as aragens vindas de tão longe.
O ambiente é adequado, combina com o caráter do poeta romancista, lugar possível para os seus últimos anos de vida.
Revolucionário, radical em atitudes, defende o ateísmo e o iberismo, sendo contra a Comunidade Européia.
Como membro do Partido Comunista engaja-se em lutas populares, mas sempre capaz de partir para polêmicas.
Em Porto Alegre, em conferência ficou claro o seu descontentamento com os rumos tomados pelo socialismo no mundo.
Metódico no que escrevia, não permitia correções ou alteração no seu texto, mesmo quando impressos para divulgação no Brasil. Não admitia modificações em termos ou palavras que tinham interpretação ou sentido diferente na antiga colônia. Frases longas, pontuação diferenciada, técnica de oratória são características de suas obras onde encontramos: “Memorial do Convento”, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, e o“Ensaio sobre a cegueira”.
Ao interpretar de modo livre os textos da Bíblia, aumenta o nível de atrito, inclusive com o Papa Bento XVI, afirmando: “Lê a Bíblia e perde a fé”.
Com a sua segunda esposa, jornalista espanhola, como editora e amiga, continua criando novas obras. Aqui recebe a notícia da imortalidade criada pelo recebimento do Prêmio Nobel da Literatura. Para o poeta que descobriu a importância de cegueira, mesmo hoje vivemos numa pequena aldeia.
“Muito universo, muito espaço sideral, mas o mundo é mesmo uma aldeia” — José Saramago.

Após a sua morte, em 18 de junho de 2010, por decisão de sua esposa, Piñar Del Rio, ocorrerá a reconciliação definitiva.

Em Lisboa, em praça pública, perto da Casa dos Bicos, suas cinzas serão colocadas junto às raízes de oliveira centenária, símbolo de Portugal, árvore trazida da sua terra natal— Azinhaga, lá para a região do Ribatejo.

Momento de esquecer rancores, de perdoar desfeitas e mal entendidos, de reconhecimento e mesmo de perdão.

Talvez o vento, ao final das tardes, subindo as ladeiras de Alfama, recorde as palavras eternas:

“Estou convencido de que é preciso dizer não, mesmo que se trate de uma voz pregando no deserto”.— José Saramago.






TEXTO E FOTOS FELIPE DAIELO

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