segunda-feira, 30 de junho de 2014

BIENAL

O RETORNO DA BIENAL DE ARTE DA BAHIA


Depois de sessões livres no auditório do Museu de Arte Moderna da
Bahia para discutir uma possível mostra bianual de artes visuais, a 3ª
Bienal da Bahia, mais de 45 anos depois da 2ª, já não é mais uma
promessa, está com data marcada para a inauguração. Era uma
reivindicação e um fantasma que rondava o inconsciente dos artistas,
principalmente os mais jovens. As falas foram muitas, faltaram os
analistas. Nos últimos quarenta anos, não avançamos no pensamento, nem
construímos, ainda, uma política cultural mais efetiva, apesar do
investimento na mobilização de comunidades e operários da arte em
torno do tema, nesse País.


O relato de quem vivenciou e de quem acompanhou os acontecimentos,
mesmo distante no tempo, das Bienais da Bahia coloca em cena um
contexto diferente do momento que estamos vivendo, esquecido no fundo
da memória, importante para se retomar uma experiência, com as
referências históricas. O cenário das artes em 1966 e 68 era de uma
Bahia centro da descentralização da arte brasileira. A crescente
industrialização do nordeste, a SUDENE, o Centro Industrial de Aratu,
o Banco do Estado da Bahia inauguravam uma nova consciência no Brasil
e acreditava-se numa mudança na cultura do Nordeste, contexto
favorável para a Bienal da Bahia, a mais importante exposição de arte
do País depois da Bienal de São Paulo.


Na segunda metade da década de 1960, houve na Bahia uma força de
vontade de acompanhar as diversidades da vanguarda brasileira. Não
havia um procedimento de vanguarda, nem um pensamento, era mais um
inconformismo com a situação em que se encontrava a Bahia diante das
inquietações dos anos 1960: Contracultura, Tropicália,
experimentalismo e as rupturas dos suportes tradicionais. A vontade de
intercâmbio com a vanguarda resultou nas Bienais da Bahia, que contou
com a participação das manifestações mais importantes da época:
Concretismo, Neoconcretismo, Tropicália etc., fazendo de Salvador o
centro das artes plásticas brasileiras. Chegou a provocar o cenário
cultural local, contrário a uma atualização do meio de arte baiano.
Como o regime político do final dos anos 60 era pouco favorável a
liberdade cultural, surgiu o AI-5 e a 2ª Bienal foi fechada. Foi o fim
de uma iniciativa que deixou a arte brasileira de luto.


Sem um projeto de continuidade, falta de interesse por mudanças por
parte de artista e críticos da cultura local, o futuro da Bienal
estava condenado. A segunda Bienal foi fechada logo após a
inauguração, em decorrência do momento político crítico que passava o
País. A mudança cultural esperada com a industrialização, não passou
de um sonho. A realidade cultural e política hoje é outra, mas é
preciso conhecer o passado para dar um passo adiante.


Uma mostra de arte de repercussão nacional é o objeto da ansiedade de
artistas locais e a coisa prometida do Estado que merece uma atenção
mais depurada, principalmente em tempos de bienais, curadorias e
residências artísticas, a expectativa é diferente da década de 1960.
As discussões promovidas pela direção do museu foram oportunas,
colocaram sobre a mesa questões pertinentes que ultrapassaram as
possibilidades da realização da mostra, como: as próprias ações, não
só do MAM, como também dos outros museus de arte, o estágio em que se
encontra a formação dos artistas e a arte nos dias hoje. Entre a
burocracia dos editais, as leis de incentivo e a superioridade do
mercado, os museus se encontram numa corda bamba, sem recursos para
realizar seus projetos e manter uma programação livre de pressões
externas alheias aos compromissos culturais da instituição.


Se o MAM deve, ou não, promover uma mostra nacional de arte, não vem
ao caso. Primeiro é necessário que ele disponha de um projeto
curatorial mais amplo capaz de driblar a burocracia e as pressões
externas. O dispositivo de sustentação para garantir que a referida
mostra não seja uma grande festa isolada, que acaba com uma ressaca no
dia seguinte. Afinal, museu não é instituição de caridade para adotar
'artistas carentes" e muito menos casa de eventos à disposição de
proponentes e patrocinadores que querem divulgar suas marcas. Embora
muitas salas de exposição se encontrem atualmente à espera de
propostas premiadas nas loterias dos editais, alguns projetos até nem
precisariam apelar pra sorte para ter visibilidade e aprovação, são
necessárias ao circuito cultural.


Depois que a cultura foi dominada pela barbárie, numa sociedade que
privilegia a produção de mercadorias culturais, o pensamento foi
derrotado pela indústria do entretenimento e o poder do mercado. Quem
acaba decidindo o que é arte, é o mercado, com o apelo publicitário,
ele impõe o valor e a legitimação. As feiras mobilizam os
investidores, superaram em termos de expectativa as bienais de arte,
que foram transformadas em supermercado de periferia, com produtos
mais em conta para o consumidor de classe média. Não se acredita mais
na linguagem, mas no valor de troca. O pensamento é o líquido
derramado que brilha na superfície da obra, com prazo de validade
limitado. Se o objeto de arte for um falso brilhante, não importa,
satisfaz à chamada economia criativa.


O público de formação estranha à história da arte procura um
investimento seguro. Uma bienal de arte, como uma feira de automóveis,
se não for um banco de informações confiável, trás para o mercado
novidades para estimular ou chamar a atenção do consumidor. Mas com um
mínimo de inteligência, pode contribuir para informar e transformar o
meio de arte, neste caso, a 3ª Bienal da Bahia com o tema "Nordeste",
espera-se colocar a região no cenário nacional e chamar a atenção para
a necessidade um um aprofundamento da linguagem artística na região.
Embora o Estado, em nome de uma democracia cultural, prefere investir
na formação de proponentes, em cursos de preenchimento de formulários
e de formatação de projetos, em detrimento da crítica, da informação
de artista, formação de público, capacitação de recursos humanos e da
qualificação dos espaços culturais.


A discussão pré bienal promovida pelo MAM-Ba valeu a pena, a
reconstrução da história é favorável ao pensamento, a cultura lucra.
Nem tudo é absurdo e bizarro. A 3ª Bienal deixou de ser um sonho, mais
adiante, depois de inaugurada, merece um avaliação crítica.


Almandrade

(artista plástico, poeta e arquiteto)

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