sexta-feira, 23 de maio de 2014

BIENAL DA BAHIA

NO RASTRO DA 3ª BIENAL DA BAHIA


A arte interroga a nossa relação com o mundo. Numa sociedade regida
pelo mau humor, exige-se cuidados com a fala para evitar deslizes.
Interrogar sobre a cor ou o sabor do batom da moça é coisa séria.
Estamos cercados de leis e delegacias, que até o amor, o desejo, a
cidadania e o afeto são objetos de legislação por parte do Estado,
deixaram de ser atributos da natureza humana e da cultura. Falar de
arte contemporânea é também entender sua inserção no cotidiano como um
dispositivo de resistência e recuperação do humor e da liberdade. Como
não lembrar o crítico Mario Pedrosa? - “A arte é um exercício de
liberdade.”

A educação e a informação são responsáveis pelo modelo como vemos as
coisas e os outros, isto é, como desenvolvemos o nosso pensamento. A
sensibilidade poderá ser mais ou menos elaborada. A arte tem sua
autonomia mas não está alheia às questões de seu tempo. Na sua versão
mais ingênua, não passa de decoração para qualquer sala de jantar.
“Não, a pintura não foi feita para decorar apartamentos. É uma arma de
guerra para o ataque e a defesa contra o inimigo,” Pablo Picasso.

A Bienal está cumprindo o seu destino? Ou as coisas estão ocorrendo
independentes. - Suscitar debates, críticas, provocar exposições
paralelas fazem parte do processo. A arte contemporânea está sendo
posta na mesa para deglutição, o bispo Sardinha do meio de arte. Hoje
o que é produzido na periferia já não é visto com desconfiança, é
sempre um produto novo. Revelar novos talentos é uma preocupação não
só do mercado, mas também das demais instituições envolvidas na
produção de uma bienal ou salão de arte, por exemplo. A sociedade
moderna vive dessa obsessão pela novidade.

Mas a novidade sem o conhecimento de base é uma máscara como as
maquiagens que mostram rostos que não existem. O contemporâneo não é
ponto de partida, é muito mais uma estação de chegada ou de
transbordo. Neste caso, a reconstituição da memória como propõe a
Bienal é o marco zero de uma nova época. Longe de fazer críticas, é
oportuno tentar entender e elucidar o que é pertinente para um projeto
de renovação. Mostras independentes por iniciativas de galerias são
bem vindas, registram a nova performance do mercado de arte na Bahia,
voltado para incentivar e escoar a produção mais experimental.

A exposição “Como Refazer Mundo” com curadoria do goiano Divino Sobral
na galeria Luiz Fernando Landeiro, abriu a temporada. Com nomes
consolidados e emergentes da arte brasileira atual nos seus suportes
mais variados. É mais uma galeria comprometida com esse processo de
atualização do circuito.

A Alma Fine Art & Galeria, localizada no Rio Vermelho, especializada
em Fotografia de Arte inaugura no próximo dia 27 a exposição: “É
Brando o Dia, Brando o Vento,” de um dos nomes da fotografia na Bahia,
Aristides Alves. São 40 anos acreditando na fotografia, sem pensar em
aposentadoria, para inventar imagens
que interrogam a paisagem.


“Bahia Contemporânea Bahia”, com abertura para o dia 28 de maio , na
Roberto Alban Galeria, em Ondina, traz à tona uma produção local para
difundir a atualidade de um território específico. Embora o lugar não
seja decisivo, como afirma o próprio curador Marcelo Campos, é uma
fantasia, os artistas vivem naquele lugar, mas não significam que suas
produções estão ali. “ Meu lugar é o mundo” dizia o genial Oscar
Wilde. A exposição é mais que um aperitivo para abrir a discussão
sobre o sonho do que seria uma arte baiana contemporânea e ampliar sua
visibilidade. Artistas de formação e vivências diferentes que
interrogam o cotidiano ou o lugar de forma pessoal, sem definir
paradigmas determinantes para uma designação do que seria uma arte
baiana.

Essas exposições, dentro dos seus limites, cumprem, lacunas locais
para a construção do nosso sistema da arte. Elas formam uma vitrine
para mostrar e acionar o mercado de arte, importante para a
sustentação desse sistema. As experiências diferenciadas refletem a
liberdade da contemporaneidade. Vale a pena conferir.

É hora de pensarmos o contemporâneo, revendo o moderno e a tradição.
“Torna-se necessário, também, atualizar e rever o modernismo de longa
duração que ainda predomina em grande parte do Brasil.” (Marcelo
Campos). Por acaso, comemora-se este ano o centenário de um pioneiro
da arquitetura e do urbanismo moderno na Bahia, o mestre Diógenes
Rebouças, pintor nas horas de recreio. O Museu de Arte da Bahia
apresenta uma exposição de pinturas do mestre que retratam na Cidade
do Salvador imagens levadas pelo progresso. Uma oportunidade de
contemplar o nosso passado moderno tardio. A rigor, o professor
Diógenes não era era um pintor, era um apaixonado pela Cidade da
Bahia, que se utilizava dos pinceis e do estilo impressionista para
registrar seus cantos e suas paisagens com um olhar de um urbanista e
humanista, embora saudosista, mas que acreditava na poética moderna
que preservava o passado para enriquecer a história.

O Contemporâneo e o Moderno, a Bahia de hoje e de ontem. Um coisa é
certa, na arte a liberdade, a cordialidade e o humor devem prevalecer.
E quem aprende a olhar as diversidades que se manifestam nas
linguagens artísticas descobre um outro mundo e é capaz de percebe
certos absurdos ao redor do cotidiano. Não é papel da arte alterar o
real, mas ela provoca e estimula o olhar sobre o campo social. O
momento histórico que encerrou a 2ª Bienal da Bahia é bem diferente do
contexto onde possivelmente vai ocorrer a 3ª Bienal, quarenta anos
depois.



Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)

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