Numa poça de água
Os carros passaram e ela atravessou, chegando até a praça. Continuou andando . Calma. Um beijo de namorados entre as plantas secas por trás do banco. Estava tudo seco. Até a noite não respirava bem. Fazia mês e pouco que não chovia. Com a cabeça despenteada sentiu de repente que era feliz assim. Tão claro esse sentimento, que de passos velozes, quase parou, como se a felicidade fosse caminhar a sua frente... Sorriu para a pequena poça de água tremida da fonte. Quase seca! Pensou que felicidade tinha a ver com a velocidade das coisas. Com o tempo das coisas também! Lembrou-se de um poema de Fernando Pessoa! Sorriu, enquanto corria os olhos sob o retângulo das pedras que estufavam a secura dos mosaicos empoeirados da praça. Uma seta indicava o caminho do banheiro público. Mas não iria num banheiro público... Viu milhares de cartazes espalhados pela praça: -seja feliz! -venha participar da Academia da Felicidade do cidadão das cidades verdes! Cidade verde é a solução! - Muito me alegra, senhorita, ter podido... -Sim, não tem importância que ria de nós. - Desde que a vi atravessando a rua, compreendi que a senhora não era uma pessoa qualquer, como as outras. Aceite um cartaz da nossa Academia... Sentiu-se rodeada de olhares fixos e de cartazes móveis... Era evidente que algo estranho tirava-lhe a firmeza do raciocínio. Pensava em não se assustar. Pegar o cartaz e seguir. Mas em que direção? A da multidão de cartazes verdes mas sem ninguém a empunhá-los ou seguir aquele homem, lado a lado, de olhos fixos na outra ponta do mundo! -Se quiseres vir comigo senhorita, ainda há tempo de matar a imprudência no planeta, alistando almas que... -A senhorita está aí, faz um tempinho já, olhando para esta poça de água tremida da fonte... Está vendo a felicidade?
Zé Augustho Marques
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